Gente, já vou começar o post da semana pedindo desculpas, pois estamos 2 semanas sem postar o desafio de escrita, graças a que? Graças ao "Causos de Açúcar" que está bombando por aí pelo Brasil, inclusive, se você ainda não o tem vou deixar aqui o link pra compra do Causos de açúcar lá na editora Expressividade.
Mas, por mais que o Causos fale sobre comida, e o desafio seja exatamente "Falar sobre uma experiência com comida que goste ou não", não vou dar spoiler do livro e colocar um dos contos do livro aqui, vou lhes pôr no prato uma crônica que fala sobre um trauma alimentar que tenho, na verdade tenho vários causos sobre comida em minha vida, comida sempre gera assunto pra mim, então pode passar um café pra ler a crônica do cardápio de hoje.
Almoço de domingo
Era de praxe ao menos uma vez por mês descermos pra Peruíbe passar o fim de semana na casa dos meus avós paternos.
E era uma alegria sem fim: Primos, praia, avô coruja e muita comida.
Bom, na verdade, a comida sempre foi quase um membro da família. Pelo lado da minha avó materna, a vó Estrella, lembro até hoje que quando chegávamos na rua da casa dela, que ficava lá bem em cima, no fundo do terreno alto, eu já sentia o cheiro do pernil com louro e limão, subia a rampa da casa pelo cheiro, e depois de muitos abraços e beijos, passava pelo fogão de ferro da varanda com o forno a mil, cheirando o que me chamava, mas quando entrava para a pequenina casa, o cheiro era doce, pois o bolo de fubá cremoso chamava cheiro de sobremesa pro meu nariz, tudo muito light como podem perceber, mas essas coisas demoram ficar prontas, então meu avô Pepe me levava até a Sociedade amigos do bairro de Camilópolis pra exibir sua neta rechonchuda de longos cabelos vermelhos presos em laços pros seus amigos de bocha e dominó e enquanto ele jogava, só pra me distrair, comprava uma garrafa de 200 ml de gini ou de água tônica todinha pra mim, além de uma enorme barra de toblerone. Tudo meu, sem ter que dividir com nenhum irmão ou primo, mas era só pra passar o tempo, só pra formar laços, porque o almoço com todos ainda estava por vir.
Mas não era sobre o almoço da casa da minha vó Estrella que eu queria contar, era sobre os fins de semana na casa de meu avô Ramon.
Chegávamos cedo, já grudando com a maresia quente do litoral, e meu avô nos recebia, todo duro e troncudo, com seus olhos azuis penetrantes e mãos calejadas nos dando abraços fortes. Minha avó ao lado, mais distante, nos abraçava rapidamente e voltava pros seus afazeres na cozinha e à netaiada só restava ficar em volta do vô, que se fazia de difícil, mas por fim, fazia todas as nossas vontades:
- Vô, pode por a rede na varanda?
- Pode, calma que vou pegar.
- Vô, liga a tv?
- Calma que vou ligar.
- Vô, me leva na garupa de sua bicicleta.
- Levo, qual de vocês vai primeiro? Formem fila, e levanta a perna pra não pegar na corrente.
- Vô, leva a gente na praia.
- Vão se arrumar que eu levo.
E na praia era tanta aventura que tem história pra mais crônicas, mas deixa esses episódios pra outro dia.
Mas um dos pontos altos era:
- Vô, deixa eu ver os coelhinhos?
- Vem!
E aí era uma alegria só.
Ao lado da casa do meu avô, tinha um terreno onde ele cultivava uma horta linda (naquela época, alimento orgânico e produção familiar era a única opção) e no fundo do terreno ele havia feito um pequeno galpão com muitas gaiolas suspensas com paredes e portinhas cobertas de tela verde ou preta. Ao chegar perto do galpão, o cheiro forte da amônia da urina com capim já ardia os olhos, que brilhavam, não sei se pelo cheiro ou pelo ver o que havia nas gaiolas: coelhinhos. Muitos, enormes, a maioria branco, mas alguns malhados.
- Este é o pai da ninhada nova - dizia meu avô com todo orgulho, como se falasse de seu filho varão, que diga-se de passagem, é meu pai - ele tem que ficar separado pra não cruzar de novo - os machos sempre ficavam isolados em suas gaiolas únicas - Esse de nariz preto é o pai dos filhotes mais velhos.
Filhotes, filhotes, filhotes!!!!
- Cadê os filhotes, vô?
- Aqui - e abria a porta da gaiola com uma mãe branca enorme e nove bolinhas de pelo ao redor - este são os mais velhos - e pegava uma bolota de pelo e colocava um em cada mão de cada neto - tenham cuidado pra que eles não arranhem, pois eles rabunham.
Era uma fofura sem fim passar aquele pelinho na bochecha e ver o quanto eles entendiam o mundo pelo focinho que parecia ligado no 220 de tanto se mecher.
- Querem ver o pai? - não adianta, o orgulho do meu avô eram os machos. E pegava o bichão pelo cangote.
- Coitado,vô!
- Não dói nada, essa pele foi feita pra gente pegar ele mesmo. - E soltava o coelhão na horta. - Vão buscá-lo sem pisar na horta.
Era uma festa!
E o vô ficava na frente do galpão, com as mãos apoiadas na cintura, mostrando todos os músculos atarracados dentro da regata branca muito orgulhoso de sua criação, de coelhos e netos.
E assim passávamos a manhã, até que nos chamavam para lavar as mãos para comer.
As crianças sentavam-se numa mesinha quadrada a parte, pois a família era enorme, só as crianças, éramos em sete, as duas netas mais velhas já sentavam com os adultos, e a mesinha onde comíamos mora comigo hoje. Olho pra ela e me pergunto: Como sete crianças cabiam naquela mesa minúscula? Mas cabíamos.
E a vó servia o vô, e depois as noras serviam os filhos e a si e as crianças, parecia machista, pros tempos de hoje, mas não. Era uma questão de respeito hierárquico, e era tudo tão normal e automático, que não havia ofensas com as tradições.
E vinha um delicioso prato de batatas, cenoura, repolhos e couve (tudo da horta) com uma carne suculenta e apetitosa, toda dourada, regada com um molho caramelizado, com suco de maracujá do jardim. E me lembro do gosto da carne desfiando nos dentes combinando perfeitamente com as batatas que eram sempre a base de nossas refeições em família.
- Nossa, vó!!! Que delícia que tá esse frango!
Para minha surpresa, quem responde é meu avô, que à mesa, pouco falava com as crianças:
- Não é frango, Fabiana - escuto como se fosse hoje o Fabiana com o primeiro "a" bem aberto: Faabiana, puxando seu sotaque galego - é coelho.
Paralisei.
O garfo parou no meio do caminho. Eu olhava pra carne e pro meu avô, de um pro outro, tentando conectar a ideia.
- Coelho?
Os olhos azuis de meu avô me viram, mas ele não era um homem de arrependimentos e nem de falar muito. Tomou seu vinho tinto e esperou que eu reagisse positivamente, mesmo sabendo o quanto eu estava chocada.
E infelizmente eu o decepcionei.
Não consegui mais comer a carne... comecei a sentir o gosto de sangue no molho, invadindo os legumes e as verduras e até o suco. O coelho começou a pular da horta para dentro do meu estômago. Saltos enormes que vinham parar na minha garganta. Corri pro banheiro, mas não deu tempo... Acabei com o almoço de todos.
E na verdade, até hoje meu avô deve revirar no túmulo. Não sou vegetariana, adoro o sabor de uma boa picanha sangrando saindo da churrasqueira, ou de uma panceta estralando a pele pururucada, mas não posso pensar que aquilo um dia foi um boi enorme, ou um lindo porcão rosado, pois se eu pensar... não desce!
Sinto muito, vô!
E é isso, pessoal! Meu trauma com carne vem daí, por mais que tenha afeto, tem coisas que não rola, não é verdade?
E vocês? Tem trauma de alguma comida?
Conta aí pra gente!
boas memórias, regados a boa comida...como esquecer, ne?!
ResponderExcluirSim, Lu, impossível esquecer!
ExcluirBjks!
Kkk eu ri muito aqui Fabi :D
ResponderExcluirEu tenho um tio que comprou um porquinho pra criar,quando estávamos na votação pra escolher o nome ele disse que não era pra nomea-lo, pq ele seria da ceia do ano novo :0 menina, aquela virada só comi salada e sobremesa, nem lentilha eu quis com medo de ter bacon e até hoje lembro disso.
Rafa, isso traumatiza a gente, diz se não? kkkkkkkkk
ExcluirUma vez um tio meu deixou um coelho aqui em casa, o bicho comeu todas as plantas e quando eu já estava apegada com o bicho ele levou...o fim foi trágico!
ResponderExcluirMeu Deus, o bichinho tb foi pra panela no final?
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